Tuesday, October 22, 2019

Será que um erro justifica outro?

Tem sido cada vez mais difícil viver em um mundo dominado por lives, stories e selfies. O vídeo do MC Gui “zoando” uma criança na Disney, em Orlando, na Flórida, que viralizou desde ontem, toca bem nessa ferida. Confesso que senti um nó na garganta e me deu uma vontade enorme de colocar a Gigi numa redoma de vidro para protegê-la disso tudo.

Fiquei com raiva. Se eu estivesse no mesmo trenzinho que o pseudo-artista, ele ouviria umas boas ali mesmo, ao vivo e sem filtro.

E se fosse a minha filha? Hoje em dia a gente nunca sabe quando está sendo filmado, se alguém está nos achando esquisita.

De fato, nunca foi legal debochar de alguém, muito menos uma criança. Mas agora é mais do que ser alvo de um dedo e uma gargalhada. A vítima corre o risco de cair na rede e no mundo virtual o fato se multiplica, ganhando uma proporção ainda mais cruel.

Na gravação, MC Gui e os amigos riem enquanto o cantor filma a menina, visivelmente incomodada. Segundo o funkeiro, eles estavam se divertindo com a semelhança entre a garota e a personagem de animação de “Monstros S.A”.

Se por um lado a atitude estúpida do MC gerou uma onda de revolta e solidariedade, do outro expôs a problemática da mega exposição das crianças.

Como jornalista e mãe, a divulgação do rosto da menina nas mídias sociais e a reprodução pela imprensa me incomodaram muito. Ela aparece constrangida ao ser filmada por pessoas que riam dela, o que me leva a considerar que ela não gostaria de ver aquela situação sendo viralizada e, nesse caso, divulgar a imagem fere o direito da menor.

Na ânsia da revolta, e com toda a razão, as pessoas não perceberam que ao compartilhar o vídeo ou a foto, sem proteger a imagem da garota,  estavam potencializando o drama.

Eu jamais gostaria de ver a minha filha estampando as mídias em uma situação humilhante, ainda que despertasse comoção e compaixão. Isso é crime, portanto, passível de processo. Eu processaria. Mas acho que essa família nem sabe o que está se passando. Ninguém conhece os outros personagens do vídeo, além do MC Gui e sua trupe. 

Do ponto de vista jornalístico, a imagem do rosto da menina é dispensável. O fato por si só já é cruel. Ser submetido a uma exposição amplificada também é traumatizante. Não compensa.

A menina usava uma peruca da Boo e a aparência pálida e ausência de sobrancelhas levantaram a suspeita de que ela passa por um tratamento de quimioterapia, mas bastava descrever as características frágeis.

Aliás, esse é outro ponto para ser discutido. Não se sabe o real estado da saúde da menina nem a identidade ou a nacionalidade. Mas afirmam que é americana e já deram nome e diagnóstico. Se forem dados reais, de onde veio essa informação? Ninguém diz.

Ou seja, o MC Gui errou e errou feio. Merece todo o repúdio e ser penalizado para ver se aprende.

Mas e quem publicou e compartilhou a imagem da garota? Acho que temos que ir muito além do factual nessa discussão. Precisamos aprender também.

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